25 dezembro, 2007

Dando corda



Que bela surpresa a minha em encontrar no bairro de Santa Teresa um lugar dedicado a uma das mais antigas culturas literárias: a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC). Um lugar que nasceu da necessidade de abrigar e apoiar os cordelistas, repentistas etc. E foi com essa finalidade que em 07 de setembro de 1988 foi fundada a ABLC, tendo como presidente o cordelista Gonçalo Ferreira da Silva.

A Literatura de Cordel chegou ao Brasil através dos portugueses na época colonial e foi fortemente difundida no Nordeste. É chamada dessa forma por se tratar de uma composição poética impressa em folhetos pendurados em barbantes que recebiam, em Portugal — segundo Luís da Câmara Cascudo em seu “Dicionário do Folclore Brasileiro” — o nome de folhas soltas ou folhas volantes, o que na Espanha corresponderia aos pliegos sueltos.

O mais interessante na Literatura de Cordel é o seu caráter popular. Feita basicamente por pessoas simples, o resultado são obras bastante intuitivas, totalmente despojadas de qualquer academicismo frio, dando prioridade à construção elaborada e à métrica e ritmo bem construídos. Além disso, possui raízes fincadas na tradição oral — como na literatura grega clássica — e conta geralmente com ilustrações feitas em xilogravura (técnica de gravura que utiliza como base a madeira talhada e depois pintada para imprimir num dado suporte).

Encontra-se a influência do cordel em vários segmentos da nossa cultura, como o grupo “Cordel do Fogo Encantado” que, na música, é um dos seus maiores representantes, não raro, recitando nos shows alguns cordéis, como o “Ai! Se sêsse!...”, que foi feito pelo poeta Zé da Luz (1904-1965) quando disseram a ele que para falar de amor precisava usar corretamente a Língua Portuguesa:



Ai! Se sêsse!...

Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse
Se nós dois se impariásse,
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulíce?
E se eu me arriminasse
e tu cum eu insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!


Beberam também dessa fonte alguns autores consagrados da nossa literatura nacional, onde Gregório de Matos Guerra, Mário de Andrade, Orígenes Lessa e Ariano Suassuna são alguns dos mais conhecidos.

Muito se é falado na decadência e até mesmo na extinção da Literatura de Cordel devido ao progresso tecnológico, mas ao passar poucos minutos na sede da ABLC proseando com o seu presidente, logo se é convencido do contrário, pois o cordel sobreviveu ao advento dos jornais impressos em tipografias; do rádio; da televisão com suas telenovelas; e da internet. Não só sobreviveu a essas tecnologias como também soube conviver muito bem com elas. Hoje a ABLC possui um portal na internet [www.ablc.com.br] de altíssima qualidade que contribui para a divulgação dessa cultura não só no Brasil mas em todo o mundo, e que registra, segundo Gonçalo Ferreira da Silva, aproximadamente 25.000 visitas mensais.

Para os que apostaram na morte da Literatura de Cordel, o prejuízo certamente é grande, pois ela ganha cada vez mais espaço (até o Japão possui um estande de cordel no Museu Nacional de Kyoto). Está previsto para o início de 2008 (ano em que a ABLC completará 20 anos de existência) a publicação de uma obra em dois volumes contendo uma seleção feita pela própria ABLC de 100 cordéis raros com o apoio da PETROBRAS.
O cordel é amplamente acessível, cada folheto custa em média R$ 1,00 e o site pode ser visitado de qualquer lugar conectado à rede. Ela é por muitos conhecida e respeitada, portanto, esse texto pretende prestar serviço não à Literatura de Cordel, mas sim aos que ainda não tiveram oportunidade de conhecê-la.

A Academia Brasileira de Literatura de Cordel fica na Rua Leopoldo Fróes, 37 no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro. O telefone é (21) 2232-4801, e fica aberta de segunda a domingo de 9h às 19h.

2 comentários:

Pedro Nurmi disse...

Caramba, estréia já com um puta-artigo desses! =D Arretado, rapaz!

Tava lembrando do dia em que você me mostrou este cordel em especial. Eu tava com a cabeça cheia e achei bonito e criativo. Hoje já achei ele muito bonito e muito criativo.

Acredito que cordel seja assim: rico e simples. Ou seja, boa literatura.

Anônimo disse...

Parabéns a vcs pelo espaço aqui...tá muito rico.