25 dezembro, 2007
Passo-a-passo de um drama
O filme "Elefante" de Gus Van Sant teve sua estréia no festival de Cannes de 2003 e acabou levando os prêmios de "Melhor Diretor", "Prêmio de Cinema do Sistema Educacional Nacional Francês" e a "Palma de Ouro"!
Após o tão falado massacre em Columbine, houve o filme de Michael Moore como representante do gênero documentário, e após, Gus Van Sant surge com seu "Elefante" propondo uma narrativa ficcional inspirada no incidente, e, segundo o diretor, feito também como uma forma de "rejeição à narrativa convencional". O filme nos conta o que ocorreu em um dia comum em um colégio. Bem, quase isso."Patricinhas" querendo os namorados das amigas, e almoçando no refeitório sem culpa, para minutos após, vomitar tudo no banheiro. As pessoas comentando sobre um show que ocorreria mais tarde. Garotos humilhando outros garotos, jogando bolas de papel higiênico, dando empurrões violentos e os xingando: e é aí que nos é apresentado Alex, a vítima de bullying. O bullying, principal temática do filme, é mostrado de formas variadas. Até de forma subliminar - há uma personagem (John) que veste uma camisa amarela com a estampa de um touro. E, este dia neste colégio enorme, com organização perfeita, e limpo até demais, é mostrado várias vezes, cada uma se aproximando de certos personagens, e evidenciando "tipos" que se pode encontrar em um ambiente adolescente. Porém, sem se aprofundar em nenhum.
Uma das coisas mais belas no filme é a câmera. Transitando entre os jovens, passando pelos pequenos núcleos de personagens, e passando a perseguir um deles, para que, posteriormente, aquela cena seja retomada e um núcleo diferente seja escolhido. Cada vez que a cena volta, temos um ângulo novo, o que é complexo e brilhante, e totalmente anti-convencional, como disse Van Sant.
As personagens que mais são exploradas são justamente as duas vítimas de bullying que protagonizam o filme (não preciso ser mais explícito). A mente por trás do incidente, Alex, toca "Für Elise" e " Piano Sonata No. 14 in C Sharp Minor, No. 2 Moonlight" de Beethoven, ao piano, em seu quarto, enquanto seu amigo joga em seu computador, na cama, um jogo no qual é preciso matar todos os transeuntes inocentes. As outros personagens, bom, são as outras. Transeuntes que pagam por agirem como agem. Com excessão de John - o rapaz loiro da camisa do touro que não é nem vítima de bullying, nem é causador de bullying a ninguém. Não se sabe porque ele é triste, não se sabe porque ele fala com todos, ainda que superficialmente. Não se sabe porque ele anda por toda a escola, e não pára em lugar algum. Creio que, como ele é a primeira personagem a que nós somos apresentados, ele funciona como algo que vem da tradição teatral: ele é um símbolo. Símbolo do próprio bullying, e da juventude superficial. Vaga pelos corredores da narrativa para que o tema possa ser desenvolvido, e é responsável por um último apelo em vão, tornando-se também símbolo da impotência das relações humanas.
Poderia parar por aqui, mas quero remarcar que o filme é interessante por não buscar causas para o incidente - apenas passar pela cena e refletir o clima dos momentos anteriores e do momento do clímax. Clímax que se difere do da tragédia grega basicamente por não permitir um recomeço. Pelo menos algum que seja saudável.
Que bela surpresa a minha em encontrar no bairro de Santa Teresa um lugar dedicado a uma das mais antigas culturas literárias: a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC). Um lugar que nasceu da necessidade de abrigar e apoiar os cordelistas, repentistas etc. E foi com essa finalidade que em 07 de setembro de 1988 foi fundada a ABLC, tendo como presidente o cordelista Gonçalo Ferreira da Silva.
A Literatura de Cordel chegou ao Brasil através dos portugueses na época colonial e foi fortemente difundida no Nordeste. É chamada dessa forma por se tratar de uma composição poética impressa em folhetos pendurados em barbantes que recebiam, em Portugal — segundo Luís da Câmara Cascudo em seu “Dicionário do Folclore Brasileiro” — o nome de folhas soltas ou folhas volantes, o que na Espanha corresponderia aos pliegos sueltos.
O mais interessante na Literatura de Cordel é o seu caráter popular. Feita basicamente por pessoas simples, o resultado são obras bastante intuitivas, totalmente despojadas de qualquer academicismo frio, dando prioridade à construção elaborada e à métrica e ritmo bem construídos. Além disso, possui raízes fincadas na tradição oral — como na literatura grega clássica — e conta geralmente com ilustrações feitas em xilogravura (técnica de gravura que utiliza como base a madeira talhada e depois pintada para imprimir num dado suporte).
Encontra-se a influência do cordel em vários segmentos da nossa cultura, como o grupo “Cordel do Fogo Encantado” que, na música, é um dos seus maiores representantes, não raro, recitando nos shows alguns cordéis, como o “Ai! Se sêsse!...”, que foi feito pelo poeta Zé da Luz (1904-1965) quando disseram a ele que para falar de amor precisava usar corretamente a Língua Portuguesa:
Ai! Se sêsse!...
Se nós dois se impariásse,
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulíce?
Beberam também dessa fonte alguns autores consagrados da nossa literatura nacional, onde Gregório de Matos Guerra, Mário de Andrade, Orígenes Lessa e Ariano Suassuna são alguns dos mais conhecidos.
Muito se é falado na decadência e até mesmo na extinção da Literatura de Cordel devido ao progresso tecnológico, mas ao passar poucos minutos na sede da ABLC proseando com o seu presidente, logo se é convencido do contrário, pois o cordel sobreviveu ao advento dos jornais impressos em tipografias; do rádio; da televisão com suas telenovelas; e da internet. Não só sobreviveu a essas tecnologias como também soube conviver muito bem com elas. Hoje a ABLC possui um portal na internet [www.ablc.com.br] de altíssima qualidade que contribui para a divulgação dessa cultura não só no Brasil mas em todo o mundo, e que registra, segundo Gonçalo Ferreira da Silva, aproximadamente 25.000 visitas mensais.
Para os que apostaram na morte da Literatura de Cordel, o prejuízo certamente é grande, pois ela ganha cada vez mais espaço (até o Japão possui um estande de cordel no Museu Nacional de Kyoto). Está previsto para o início de 2008 (ano em que a ABLC completará 20 anos de existência) a publicação de uma obra em dois volumes contendo uma seleção feita pela própria ABLC de 100 cordéis raros com o apoio da PETROBRAS.
A Academia Brasileira de Literatura de Cordel fica na Rua Leopoldo Fróes, 37 no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro. O telefone é (21) 2232-4801, e fica aberta de segunda a domingo de 9h às 19h.
22 dezembro, 2007
Viciada
Estou assumidamente apaixonada pela nem tão nova revelação da Soul Music. A despeito do tão aguardado novo álbum de Alicia Keys e do sucesso de Beyoncé, essa nova estrela não vem do país da Mowtown, mas das Ilhas Britânicas.
E não estou falando de Joss Stone ou Lily Allen, que também são muito boas. Falo da anoréxica e problemática Amy Winehouse.
Há três anos, eu já havia escutado uma música da moça, mas eu nem desconfiava de que se tratava de uma canção da Wino (apelido carinhoso dado pela mídia). Somente com o hit Rehab é que eu fui conhecer a dona da voz poderosa que inebriou o mundo.
Pra quem ainda não escutou um dos álbuns da inglesinha, branca e filha de judeus (pai taxista e mãe farmacêutica), ou que já escutou mas não levou fé, saiba que não é um exagero meu. Simplesmente, a cantora de olhos bem marcados e penteado hiper-volumoso recebeu elogios rasgados e convite de trabalho de ninguém menos que Prince. Engrossam a lista: P. Diddy, Timbaland, Kanye West e por aí vai. Todos se rendem a Wino.
Tanta admiração tem um motivo especial. Na verdade, três: a sua voz é perfeita (ao mesmo tempo aveludada e rouca, forte e sussurrante, atingindo notas agudas e graves poderosos); a sua interpretação vocal é invejável (como se ela brincasse de cantar); e, ao contrário da nova geração de popstars, que nada compõem, a sua composição é ótima (ela é co-autora ou a única de quase todas as suas músicas).
As letras são fantásticas. Não se trata daquele romantismo mela-cueca ou dor-de-cotovelo. É coisa mais realista, mas "next door". Ela fala de sensações, mais do que emoções; fala de coisas que costumamos fazer quando estamos tristes, irritados ou de saco cheio. E, pra isso, lança mão de temas superatuais: a dependência narcótica e a reabilitação, a falta de amigos, o excesso de dinheiro, a aporrinhação da família, as puladas de cerca do namorado, o vazio intelectual das pessoas, etc.
A única coisa que dispenso em Wino é a sua tendência suicida, já confidenciada por ela própria. A cantora já foi internada várias vezes em clínicas de reabilitação (que custavam US$15 mil por semana), já foi presa, já sofreu duas overdoses, já tentou se matar várias vezes e, de quebra, ainda é anoréxica.
O irmão já implorou pra ela se cuidar, caso queira estar viva nos próximos dois anos. A mãe já fez apelo público na mídia, pedindo pra ela voltar pra casa (depois que ela resolveu se hospedar perto da delegacia onde seu marido, o encrenqueiro e cachaceiro Blake Fielder-Civil, continua detido por quase dois meses). Por conta disso, o pai resolveu ciceroneá-la (ou melhor, vigiá-la) durante suas visitas carcerárias.
A moça não sabe escolher boas companhias. Ela tem um histórico de namorados problemáticos e seu mais novo conselheiro e amigo de papo é Pete Doherty, do Babyshambles (viciado em crack e cocaína). E o pior é que ela não se toca: Prince, ao convidá-la pra gravar músicas em seu estúdio caseiro, exigiu que ela fosse sem o marido a tira-colo. E até Noel Gallagher (do Oasis) pediu pra ela parar com essa vida... Só falta Keith Richards entrar no coro também! Aliás, espero que ela tenha a mesma sorte deste último, que, mesmo com uma vida super-desregrada, conseguiu chegar aos setenta anos... e trabalhando. Tomara que eu possa vê-la brilhando por muitos anos ainda. O mundo da música carece de entorpecentes como a voz de Wino.
Enfim, deixo de papo e passo para as recomendações.
Pra finalizar, veja só um trecho traduzido de “Stronger than me”, que é super-hilária:
"Você deveria ser mais forte que eu
E mesmo sendo mais duro do que um peru congelado,
Porque você tem sempre que me controlar?
Tudo que preciso é que meu homem cumpra seu papel
Você está sempre querendo conversar sério.
Eu estou bem
Eu sempre tenho que te confortar todo dia
Mas o que você quer que eu faça?
Você é gay?
Porque já me esqueci das alegrias do amor juvenil
Pareço uma senhora
E você é meu menino-moça
“Ele disse:
Eu te respeito
Pensei que você tinha muitas lições pra aprender
Eu disse:
Você não sabe que o amor assume o controle?”
É como se você estivesse lendo sobre isso em algum roteiro chato
Eu não vou conhecer sua mãe em hora nenhuma
Eu só quero pôr seu corpo sobre o meu
Por favor, me fala porque você acha isso um crime
E se você quer mais uma dica, pegue a tradução de Back to Black...e depois diga o que acha.
Fato curioso: a doida nasceu no mesmo dia que a minha mãe (14/09) e no mesmo ano que eu (1983)
19 dezembro, 2007
Início/Meios/Fim
O trailer, somado ao título do filme (traduzido "literalmente"), produz a noção de que assistiremos um filme com um fim já conhecido, e é aí que se constrói um filme baseado em seus meios. Primeiramente, é importante se saber o meio pelo qual Robert Ford e Jesse James se conheceram. Posto isso é importante se saber o meio pelo qual eles se tornam próximos (pois o trailer evidencia uma cena na qual Jesse e Robert conversam descontraidamente de forma a mostrar a "admiração" de Robert por Jesse). E para terminar, é preciso se conhecer o meio pelo qual Robert assassina Jesse, e suas condições.
Como meio há também o intervalo entre o silêncio total e a verborragia, presente em muitos momentos no filme. O silêncio total indica a passagem do tempo e cria a ambientação, a verborragia tece a narrativa e enriquece a experiência, e o intervalo entre o silêncio total e a verborragia é montado por pequenos sons, jogos de luzes, e rostos que emitem pequenas falas, ainda que geralmente silenciosas.
De meio em meio, chegamos ao fim - este, já conhecido antes mesmo do início. E o covarde Robert Ford assassina Jesse James, de verdade. Podem acreditar!