02 fevereiro, 2008

LONDRES, A CIDADE-MUNDO


Sou apaixonada pelos britânicos desde pequenina. Acho um máximo o jeito sarcástico, porra-louca e subversivo deles. E adoro o sotaque também. É extremamente cínico: brega sem deixar de ser elegante (à classe lingüista, me desculpe o juízo de valor). E ao me deparar com uma NouvelObs¹ totalmente dedicada à Londres – lá na Médiathèque da Maison de France – não resisti e peguei emprestado pra ler durante as últimas festas. Li a revista toda e achei interessante compartilhar algumas informações.

A capa da revista anuncia: trata-se de conhecer a “Ville-Monde” (em port., Cidade-Mundo). Retrato de uma cidade audaciosa, localizada entre o (V)velho e o (N)novo (M)mundo.

1ª informação — Por que Cidade-Mundo?

Há duas respostas: porque Londres é a cidade com o segundo maior número e variedade de estrangeiros no mundo atual (perdendo apenas pra NY) e porque Londres é, neste momento, a cidade mais rica da Europa.

Misturando esses dois fatores, veja o que dá: os bilionários do mundo inteiro moram lá: oligarcas russos (donos de indústrias de aço, petróleo, navios, etc.), traders americanos (negociantes da bolsa), escritores franceses, xeiques árabes, petroleiros indianos, etc. Somente os franceses, são 300 mil que chegam todos os anos na cidade. O resultado é uma população imigrante que já representa 35% da pop. total e que cresce rapidamente.

2ª informação — Por que todos escolhem Londres?

Porque a cidade transpira dinheiro. Londres é a cidade-dinheiro, lá estão os melhores restaurantes, a melhor faculdade de moda (o heterodoxo Saint Martin College, que formou Alexander McQueen, John Galliano e Stella McCartney – três dos melhores estilistas em atividade no mundo), as principais grifes (D&G, Givenchy, Issey Mihyake, Burberry, Vivianne Westwood, etc), a família real mais famosa...

E sabe por que tem tudo isso lá? Porque Londres está localizada bem no meio do fuso horário (lembre-se do Big Ben), conseguindo repassar as primeiras respostas sobre os mercados financeiros do planeta: de Tóquio, de Hong Kong, de Paris, de NY, de Bombai, de Moscou. É simplesmente o ponto de intersecção do mundo.

Os golden boys – como são chamados os homens do mercado financeiro londrino que “embilionaram” com a venda de papéis – não param de crescer. Só em 2006, os 325 mil existentes embolsaram juntos €13,5 bilhões. E isso porque ainda estamos longe das Olimpíadas de 2012 (cuja sede, nem preciso dizer onde será).

3ª informação — Quem são os londrinos?

Não há londrinos, mas o morador de Londres, que vive em bairros bem marcados culturalmente – vulgarmente chamados Londongrad (habitado pelos oligarcas russos), Londonistan (pelos islamitas), Londonabad (pelos iranianos), etc. A cidade é um mosaico étnico, acolhendo poloneses, bascos, somalis, bósnios, caribenhos, hindus, irlandeses – vindos aos montes. É o maior painel multi-cultural do mundo. E, a despeito dos ataques terroristas que atemorizam a Inglaterra, é a cidade que melhor recebe imigrantes na Europa, por realmente garantir o acesso aos direitos constitucionais a todos os cidadãos, independentemente de suas origens.

Ao todo, coexistem 50 comunidades, 300 línguas. Há os que, como os bangladeshis, preferem morar a Leste (mais comercial, industrial, região do porto, por onde chegam muitos estrangeiros, e onde se instalam os recém-chegados). Há os que, como os russos e os indianos, preferem o Oeste (mais residencial, abastado e tradicional – é só lembrar da música “West End Girls”, dos Pet Shop Boys, sobre as patricinhas vazias e os playboyzinhos drogados).

4ª informação — O que há de bom lá?

De tudo, mas pra quem tem dinheiro. Londres tem uma das melhores (e mais luxuosas) vidas noturnas, assim como as filiais das grifes mais caras. Por isso, o revés da cidade está em seu alto custo de vida: uma simples passagem de metrô custa £4 (libras esterlinas, mais valorizada que o euro); um chá da tarde num hotel pode sair por meras £78 (!); um apartamento de 2 quartos no centro da cidade não sai por menos de £3 milhões (!!).

São esses valores que transformam a chegada na cidade numa desilusão. O sonho britânico pára numa palavra: pobreza. Lá não existe pobreza, justamente porque se ignoram os pobres, expulsam-nos para subúrbios/distritos bem ao longe.

A política de Tony Blair (que embora sendo do partido trabalhista, seguiu à risca o modelo liberalista de Margareth Thatcher) só aumentou o abismo que separa pessoas como os assalariados condutores de Porsches e Ferraris (assim como os “superfelizes” poloneses de salários a €1180) dos ricaços russos capazes de pagar €8 milhões por um terreno, €10,5 milhões por uma reforma em casa, ou €130 milhões por uma mansão (assim como os goldenboys, locatários de apartamentos de 100 m² a €7500/mês)

E pensar que, por conta dessa nova leva de bilionários não tão polidos, muitos mordomos (os butlers) estão abandonando a profissão, fartos e cansados da tanta grosseria.

5ª informação — Então, por que todos adoram morar lá, mesmo com tanto sacrifícios?

Porque, além de boas escolas, a vida não é cercada de miséria, esgoto a céu aberto, barracos, chão de terra, fome, canos entupidos de gelo por falta de calefação, filas de ajuda governamental (problemas com os quais até os ricos de países pobres são obrigados a conviver).

Em Londres, ainda que o governo britânico não ajude em quase nada o povo, há uma total abertura política para os imigrantes, que lutam por quebras de preconceitos contra os ‘negros’ (apelido dos que se opõe aos ‘brancos’ e que , por isso, representa também os chineses, os coreanos, os paquistaneses, os indianos). Exemplos? Dawn Butler, de origem jamaicana, 38 anos, deputada; Sadiq Khan, origem indiana, deputado; George Galloway, mestiço de origem bangladeshi. Todos do partido trabalhista.

Aliás, várias pessoas entrevistadas pela revista – inclusive um negro americano – disseram com espanto que nunca viram tanta liberdade em seus países de origem quanto vêem em Londres. Elas revelaram que as empresas de lá se importam com o lucro e não com a cor da pele, a origem, o credo ou o diploma de seus funcionários. Para um indivíduo subir na vida, basta ele ter garra, competência e inteligência. Ambição é a palavra de ordem.

Entretanto, todos vivem os bastidores do enorme paradoxo político inglês: o governo (para fazer guerra ao terrorismo) restringe a liberdade de todos, sobretudo dos imigrantes – para que a maioria branca se sinta mais livre (considerando que os brancos são os mais queixosos do abandono governamental).

E a sensação de bem-estar vem justamente através de um sistema econômico desigual, hiper-capitalista, brutal ... e agitado pela tensão das migrações (que, sendo numerosas, camuflam a idéia de racismo).

Londres é a cidade paradoxo, a cidade explosiva, a cidade dos combates e também das oportunidades, da riqueza cultural e monetária. No entanto, tudo isso é conseqüência do que Londres realmente é. Ela oferece ao mundo o que a humanidade sempre buscou: liberdade. E o preço que ela cobra para esse usufruto é tolerância. É preciso aprender a conviver diariamente com punks cheios de piercings e tatoos, hyppies, mendigos em parques, ‘paris hiltons’ magérrimas e loiríssimas, nerds engravatados do setor financeiro, cientistas sensacionalistas, islâmicos em turbantes e burcas, indianos com suas carrocinhas de hot-dog, ambientalistas e naturebas, escritores eslovenos, artistas irlandeses, advogados chineses, estudantes latinos e japoneses, engenheiros africanos...

Sabe o que vislumbro disso tudo: Londres é a própria imagem da modernidade. A cidade é uma terra controlada pelo capital financeiro, um mundo virtual, em que se finge gostar do próximo para poder usufruir do máximo de “civilização” e conforto propiciados pela retenção de riquezas, uma cidade-nação que não tem nacionalidade. Não sei se ela serviria de modelo para algum povo ou se ela realmente está mostrando o futuro da humanidade. A única conclusão a que chego é que somos muito ricos etnologicamente, somos de muitos tipos e, ao mesmo tempo, temos sonhos bem comuns.

Bem, pra quem arranha no Francês, vai uma dica superlegal: a revista edita todas as matérias da edição de papel na Internet. E o melhor é que cada uma pode ser acessada pelo link do título. O chato é que eles não editam as fotos...

Vale a pena ler as matérias: Les bonheurs d’une double vie ; Londres, une ville ouverte ; Les immigrés de Londongrad e Lady K. O endereço é :

http://hebdo.nouvelobs.com/hebdo/parution/p20070705/


*revista hebdomadária francesa Nouvel Observateur (em português, Novo Observador), nº2226, de 5 a 11 de julho de 2007.

Um comentário:

Pedro Nurmi disse...

Isso não foi uma postagem, foi um trabalho profissional :P Realmente, adorei. Bom, o tema ajuda bastante (hahaha), mas gostei muito de ver prós e contras com sinceridade. Um dia ainda dou um pulo lá, ver aquele mundo psicodélico!