02 fevereiro, 2008

"Freestyle" de fotografia e narrativa.


Entre manobras de skate com efeitos de envelhecimento de imagem, minimalismo sonoro conjugado com trilha etérea, e câmera lenta, nos deparamos com o espetáculo que é o filme mais recente do diretor americano Gus Van Sant, "Paranoid Park". Trata-se da história de Alex, um jovem skatista de 16 anos que acaba se envolvendo com a morte de um segurança nos trilhos de um trem próximo ao Paranoid Park: paraíso dos skatistas de vida torta, drogados, bêbados, punks, órfãos, suicidas, assassinos, dentre outros membros do submundo. A trama gira em torno do impasse de Alex entre viver com a culpa ou revelar a verdade para alguma pessoa e sentir-se mais leve.
Através da vida do rapaz, Gus Van Sant explora vários pormenores da vida dos adolescentes, como namoradas, sexo, família e problemas familiares; e com uma narrativa nunca linear, intercalada por cenas das manobras de skate nas quais o experimentalismo é usado de forma totalmente livre, sendo este um dos detalhes mais interessantes e belos do filme. A câmera, que sempre filma os adolescentes de forma apaixonada e em muitos momentos até erótica, quase sempre simula uma pessoa observando a cena, seja atores do filme, ou mesmo pessoas virtuais, o que adiciona um aspecto psicológico interessante ao filme, visto que trata-se de um crime escondido.
No campo do experimentalismo, o diretor utiliza várias cenas longas que em algum momento perdem o som, ficando apenas a trilha sonora. Skate ao som de música country lamuriosa? Há também uma cena longa na qual Alex toma banho na noite do crime. A cena utiliza iluminações diversas e incomuns, closes incomuns no rosto encoberto de sombra... e até mesmo as gotas pingando do cabelo parecem conspirar para a genialidade cena! É como se o rapaz realmente estivesse aliviando parte de sua culpa com aquela ducha sobre a cabeça. (vale lembrar que o diretor aposta no imprevisto até na escolha do ator que protagonizou o filme, que, na verdade, é um ator totalmente inexperiente a quem Gus deu o papel tendo em mente que gostaria de ter uma personagem-adolescente o mais natural e verossímil possível).
Enfim, deixo a dica para quem quer ver um filme nada convencional; diria que até mesmo no que se esperaria dele ele foge ao convencional, e será difícil duas pessoas assistirem e saírem com a exata mesma idéia do filme - mas certamente devido à alguma mensagem subliminar hipnótica todos se sentirão um pouco skatistas, ou pelo menos algo como isso.

Política, Racismo e Desculpas


É fato que a política só promove bem-estar a quem nela trabalha. Também é certo que os políticos fazem de tudo para suas canalhices acabarem em pizza, mas paciência tem limite!

Durante o anúncio de pedido de demissão da ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, após o escândalo sobre o uso abusivo do cartão de crédito corporativo (R$100 mil em 2007), ela usou duas desculpas para justificar sua “escorregada” que me chocaram.

Primeiro ela disse que foi vítima de má orientação por parte de seus assistentes administrativos. Ora, se ela não sabe as competências das quais ela deve se ocupar como ministra, então ela não tem competência para ser uma. Se perguntarmos a um advogado, a um faxineiro ou a um agricultor sobre o que eles devem ou não fazer dentro de seus respectivos cargos, eles o revelarão sem titubear. Ora, se a situação fosse inversa – se os assistentes tivessem mandado a ministra comprar material para o escritório com o cartão pessoal dela – certamente ela hesitaria.

Com o cartão do governo, ela alugou carro para viajar no feriado de Finados (um Astra por R$1500) e pagou até cafezinho (míseros R$4). Dá vontade de falar: “Vem cá, mulher, você não recebe salário não!”.

Segundo, ela disse que a denúncia apenas tomou grandes proporções porque ela está sendo perseguida em razão de sua declaração à BBC sobre o racismo de negros contra brancos. Na ocasião, Matilde disse que considerava uma reação normal o fato de um negro insurgir contra um branco, pois ele guarda a revolta por quase dois séculos de discriminação.

Além disso, a ministra se vê perseguida também por ter se posicionado a favor da legalização do aborto.

Peraí, a sra. Ministra quer desviar o foco e a origem de seu malogro pra se fazer de vítima? Uma coisa não tem nada a ver com outra e mais uma vez eu digo: uma pessoa (independente de cor, credo ou sexo) que se faz de vítima, diante de um escândalo extremamente escancarado como esse, não merece estar numa posição de liderança, sobretudo numa pasta recém criada pelo presidente Lula e cuja abordagem é um assunto deveras delicado no Brasil.

Racismo, sra. Matilde, quem faz é o próprio negro contra si mesmo. Ao se submeter a uma posição de vítima, de coitado, de revoltado, ele está se diminuindo e – acima de tudo – perdendo sua dignidade (palavras de quem é negra e já sofreu discriminação, mas que jamais se intimidou com isso). Enquanto acharmos que os negros desse país são vítimas de racismo, nada mudará. A discriminação (seja racial ou outra qualquer) provavelmente sempre existirá, pois a História nos mostra a sua existência desde que os primeiros povos começaram a expandir território. A melhor política de promoção da igualdade racial que poderia existir seria a de acabar com esse Ministério que é a própria admissão da existência de racismo.

Pra quem não sabe ainda, o conceito de raças já caiu por terra no mundo científico: somos todos de uma única espécie humana – e ‘raça’, aliás, foi um conceito inventado para justificar a doutrina do racismo.

Ademais, dinheiro público deveria ser usado sempre nos últimos casos. Pagar viagem de ministro para ele ficar de blábláblá em congresso e conferências mundo afora, como se sua função fosse a de pesquisador, e não a de um chefe administrativo/estrategista, é o fim da picada!

LONDRES, A CIDADE-MUNDO


Sou apaixonada pelos britânicos desde pequenina. Acho um máximo o jeito sarcástico, porra-louca e subversivo deles. E adoro o sotaque também. É extremamente cínico: brega sem deixar de ser elegante (à classe lingüista, me desculpe o juízo de valor). E ao me deparar com uma NouvelObs¹ totalmente dedicada à Londres – lá na Médiathèque da Maison de France – não resisti e peguei emprestado pra ler durante as últimas festas. Li a revista toda e achei interessante compartilhar algumas informações.

A capa da revista anuncia: trata-se de conhecer a “Ville-Monde” (em port., Cidade-Mundo). Retrato de uma cidade audaciosa, localizada entre o (V)velho e o (N)novo (M)mundo.

1ª informação — Por que Cidade-Mundo?

Há duas respostas: porque Londres é a cidade com o segundo maior número e variedade de estrangeiros no mundo atual (perdendo apenas pra NY) e porque Londres é, neste momento, a cidade mais rica da Europa.

Misturando esses dois fatores, veja o que dá: os bilionários do mundo inteiro moram lá: oligarcas russos (donos de indústrias de aço, petróleo, navios, etc.), traders americanos (negociantes da bolsa), escritores franceses, xeiques árabes, petroleiros indianos, etc. Somente os franceses, são 300 mil que chegam todos os anos na cidade. O resultado é uma população imigrante que já representa 35% da pop. total e que cresce rapidamente.

2ª informação — Por que todos escolhem Londres?

Porque a cidade transpira dinheiro. Londres é a cidade-dinheiro, lá estão os melhores restaurantes, a melhor faculdade de moda (o heterodoxo Saint Martin College, que formou Alexander McQueen, John Galliano e Stella McCartney – três dos melhores estilistas em atividade no mundo), as principais grifes (D&G, Givenchy, Issey Mihyake, Burberry, Vivianne Westwood, etc), a família real mais famosa...

E sabe por que tem tudo isso lá? Porque Londres está localizada bem no meio do fuso horário (lembre-se do Big Ben), conseguindo repassar as primeiras respostas sobre os mercados financeiros do planeta: de Tóquio, de Hong Kong, de Paris, de NY, de Bombai, de Moscou. É simplesmente o ponto de intersecção do mundo.

Os golden boys – como são chamados os homens do mercado financeiro londrino que “embilionaram” com a venda de papéis – não param de crescer. Só em 2006, os 325 mil existentes embolsaram juntos €13,5 bilhões. E isso porque ainda estamos longe das Olimpíadas de 2012 (cuja sede, nem preciso dizer onde será).

3ª informação — Quem são os londrinos?

Não há londrinos, mas o morador de Londres, que vive em bairros bem marcados culturalmente – vulgarmente chamados Londongrad (habitado pelos oligarcas russos), Londonistan (pelos islamitas), Londonabad (pelos iranianos), etc. A cidade é um mosaico étnico, acolhendo poloneses, bascos, somalis, bósnios, caribenhos, hindus, irlandeses – vindos aos montes. É o maior painel multi-cultural do mundo. E, a despeito dos ataques terroristas que atemorizam a Inglaterra, é a cidade que melhor recebe imigrantes na Europa, por realmente garantir o acesso aos direitos constitucionais a todos os cidadãos, independentemente de suas origens.

Ao todo, coexistem 50 comunidades, 300 línguas. Há os que, como os bangladeshis, preferem morar a Leste (mais comercial, industrial, região do porto, por onde chegam muitos estrangeiros, e onde se instalam os recém-chegados). Há os que, como os russos e os indianos, preferem o Oeste (mais residencial, abastado e tradicional – é só lembrar da música “West End Girls”, dos Pet Shop Boys, sobre as patricinhas vazias e os playboyzinhos drogados).

4ª informação — O que há de bom lá?

De tudo, mas pra quem tem dinheiro. Londres tem uma das melhores (e mais luxuosas) vidas noturnas, assim como as filiais das grifes mais caras. Por isso, o revés da cidade está em seu alto custo de vida: uma simples passagem de metrô custa £4 (libras esterlinas, mais valorizada que o euro); um chá da tarde num hotel pode sair por meras £78 (!); um apartamento de 2 quartos no centro da cidade não sai por menos de £3 milhões (!!).

São esses valores que transformam a chegada na cidade numa desilusão. O sonho britânico pára numa palavra: pobreza. Lá não existe pobreza, justamente porque se ignoram os pobres, expulsam-nos para subúrbios/distritos bem ao longe.

A política de Tony Blair (que embora sendo do partido trabalhista, seguiu à risca o modelo liberalista de Margareth Thatcher) só aumentou o abismo que separa pessoas como os assalariados condutores de Porsches e Ferraris (assim como os “superfelizes” poloneses de salários a €1180) dos ricaços russos capazes de pagar €8 milhões por um terreno, €10,5 milhões por uma reforma em casa, ou €130 milhões por uma mansão (assim como os goldenboys, locatários de apartamentos de 100 m² a €7500/mês)

E pensar que, por conta dessa nova leva de bilionários não tão polidos, muitos mordomos (os butlers) estão abandonando a profissão, fartos e cansados da tanta grosseria.

5ª informação — Então, por que todos adoram morar lá, mesmo com tanto sacrifícios?

Porque, além de boas escolas, a vida não é cercada de miséria, esgoto a céu aberto, barracos, chão de terra, fome, canos entupidos de gelo por falta de calefação, filas de ajuda governamental (problemas com os quais até os ricos de países pobres são obrigados a conviver).

Em Londres, ainda que o governo britânico não ajude em quase nada o povo, há uma total abertura política para os imigrantes, que lutam por quebras de preconceitos contra os ‘negros’ (apelido dos que se opõe aos ‘brancos’ e que , por isso, representa também os chineses, os coreanos, os paquistaneses, os indianos). Exemplos? Dawn Butler, de origem jamaicana, 38 anos, deputada; Sadiq Khan, origem indiana, deputado; George Galloway, mestiço de origem bangladeshi. Todos do partido trabalhista.

Aliás, várias pessoas entrevistadas pela revista – inclusive um negro americano – disseram com espanto que nunca viram tanta liberdade em seus países de origem quanto vêem em Londres. Elas revelaram que as empresas de lá se importam com o lucro e não com a cor da pele, a origem, o credo ou o diploma de seus funcionários. Para um indivíduo subir na vida, basta ele ter garra, competência e inteligência. Ambição é a palavra de ordem.

Entretanto, todos vivem os bastidores do enorme paradoxo político inglês: o governo (para fazer guerra ao terrorismo) restringe a liberdade de todos, sobretudo dos imigrantes – para que a maioria branca se sinta mais livre (considerando que os brancos são os mais queixosos do abandono governamental).

E a sensação de bem-estar vem justamente através de um sistema econômico desigual, hiper-capitalista, brutal ... e agitado pela tensão das migrações (que, sendo numerosas, camuflam a idéia de racismo).

Londres é a cidade paradoxo, a cidade explosiva, a cidade dos combates e também das oportunidades, da riqueza cultural e monetária. No entanto, tudo isso é conseqüência do que Londres realmente é. Ela oferece ao mundo o que a humanidade sempre buscou: liberdade. E o preço que ela cobra para esse usufruto é tolerância. É preciso aprender a conviver diariamente com punks cheios de piercings e tatoos, hyppies, mendigos em parques, ‘paris hiltons’ magérrimas e loiríssimas, nerds engravatados do setor financeiro, cientistas sensacionalistas, islâmicos em turbantes e burcas, indianos com suas carrocinhas de hot-dog, ambientalistas e naturebas, escritores eslovenos, artistas irlandeses, advogados chineses, estudantes latinos e japoneses, engenheiros africanos...

Sabe o que vislumbro disso tudo: Londres é a própria imagem da modernidade. A cidade é uma terra controlada pelo capital financeiro, um mundo virtual, em que se finge gostar do próximo para poder usufruir do máximo de “civilização” e conforto propiciados pela retenção de riquezas, uma cidade-nação que não tem nacionalidade. Não sei se ela serviria de modelo para algum povo ou se ela realmente está mostrando o futuro da humanidade. A única conclusão a que chego é que somos muito ricos etnologicamente, somos de muitos tipos e, ao mesmo tempo, temos sonhos bem comuns.

Bem, pra quem arranha no Francês, vai uma dica superlegal: a revista edita todas as matérias da edição de papel na Internet. E o melhor é que cada uma pode ser acessada pelo link do título. O chato é que eles não editam as fotos...

Vale a pena ler as matérias: Les bonheurs d’une double vie ; Londres, une ville ouverte ; Les immigrés de Londongrad e Lady K. O endereço é :

http://hebdo.nouvelobs.com/hebdo/parution/p20070705/


*revista hebdomadária francesa Nouvel Observateur (em português, Novo Observador), nº2226, de 5 a 11 de julho de 2007.